by Telma M.
Lembranças a gente tem aos montes. Todo mundo tem. Algumas pessoas pensam que
se esqueceram das suas, mas no fundo, bem no fundo, elas continuam bem guardadas
na caixinha das memórias de cada um.
Quando alguém nos pede para escolher uma lembrança para contar é que surge o
problema: qual delas?
Não dá para fazer uma lista e ir contando todas.
Durante uma vida inteira uma
pessoa pode guardar bilhões de lembranças em sua memória. Bilhões não, trilhões,
quatrilhões, quintilhões...
Nossa memória é quase infinita. “Quase”, porque a gente não sabe qual a real
capacidade dela, mas cabe muita lembrança!
Então, o jeito é escolher uma só. Eu resolvi escolher a primeira da minha
lista. Quero dizer, a primeira da lista cronológica, pois eu tenho inúmeras
listas de lembranças.
Tenho uma lista de lembranças de infância, uma lista de lembranças de
adolescência, uma lista de lembranças engraçadas, uma lista de lembranças
tristes, uma lista de lembranças nítidas, outra de lembranças incompletas, uma
lista de lembranças que eu quero esquecer, tem lista de lembranças que eu quero
contar e outra de lembranças que me enchem de vergonha lembrar, uma lista de
lembranças de medo, outra de sonhos... Tenho uma lista das listas...
Ai ai ai, chega de papo furado e vamos à lembrança escolhida.
Essa lembrança envolve uma luz verde, uma tampa de panela e um cheirinho de
café.
O cheirinho de café todo mundo conhece. Se tiver um jeito de descrever, eu
não conheço. Sei apenas que o cheiro é muito melhor do que o gosto, embora o
gosto seja delicioso. Café coado na hora tem gosto de avó na beira do fogão
fazendo bolinho de chuva, mas o interessante é que também tem gosto de mãe às
cinco horas da manhã. O gosto de mãe é mais forte, pois é mais frequente. O
gosto de avó é só em dias de chuva...
Às cinco horas da manhã a mãe se levanta de mansinho e pensa que não faz
barulho nenhum. Ledo engano! Nossos ouvidos são poderosos a essa hora da manhã,
qualquer sussurro nos acorda.
Imagine então, se o garnisé da vizinha cantar, desencadeando uma sinfonia de
galos respondendo aqui e ali, por quilômetros de distância. Aí sim é que
despertamos mesmo.
Nesse momento percebo a luz verde. No início parece-me que é o mundo todo que
acende, depois, percebo que este mundo é diferente do outro que existe quando
todo mundo está acordado.
A luz verde torna tudo tão bonito! Os objetos do quarto ficam verdes. A cara
do pai roncando é verde. O móbile é verde. O encosto do sofá é verde. Nesse
instante uma tampa cai lá na cozinha e o som chega juntinho com o cheiro de café
coado na hora. Huuum! Que delícia! É uma questão de minutos para chegar a
mamadeira morninha e um colinho de mãe...
Eu não tive berço. Minha mãe usava um pequeno sofá com a frente encostada na
parede como berço. Entre o sofá e a cama de meus pais, havia um criado-mudo onde
ficava um abajur de luz verde.
Ela se levantava às 5 horas da manhã para preparar o café e a marmita que ela
e meu pai levavam para o trabalho. Depois preparava a minha mamadeira e levava
até o quarto verde. Durante esse processo podia acontecer de cair uma tampa, no
chão lá da cozinha e foi isso que ficou na minha lembrança, junto com a luz
verde e o cheirinho de café...
Quantos anos eu tinha? Nenhum. Eu era um bebê de berço!
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