by Roberto M.
O livro, Memórias de um Sargento de Milícias, escrito por Manuel
Antonio de Almeida, é uma obra classificada como romântica, mas apesar
disso, ela pode ser considerada como uma obra ímpar dentro do romantismo, pois
seus traços ultrapassam os padrões estabelecidos para tal estilo.
O romantismo foi um dos mais importantes movimentos literários do
ocidente, e, particularmente no Brasil, entre 1836 e 1881, significou uma etapa
decisiva de nossa literatura.
As características principais do estilo romântico eram o subjetivismo,
o predomínio da emoção e do sentimento, idealismo, imaginação e sonho, fantasia,
fuga da realidade, valorização da natureza, religiosidade, liberalismo,
nacionalismo.
Memórias de um Sargento de Milícias, entretanto, apresenta características
próprias; foge ao estilo romântico. Não atende também, às propostas do estilo
realista, pois não tem crítica, nem denúncia social, nem análise
psicológica. Muitos o entendem como um romance picaresco, ou
seja, a narrativa das peripécias de um pícaro (personagem malandro, ardiloso,
aproveitadoe e pobretão esperto).
CARACTERÍSTICAS DA OBRA
O romance é, portanto, de transição, vejamos algumas de suas características:
- Não envolve personagens da classe dominante e sim de baixa renda; gente
humilde e trabalhadora com suas malícias e crendices, fofocas e beatices, modos
e costumes.
- Tem um enredo fragmentado que mostra a realidade, a originalidade e o
folclore nacional.
- O protagonista não é herói nem vilão, é um anti-herói. É malandro, vadio,
esperto e mentiroso; às vezes cômico.
- Os personagens não são idealizados e sim antiéticos (bem e mal).
- A história tem humorismo ao invés de sentimentalismo. Tem a presença da
ironia e do ridículo
- Tem estilo oral e descontraído.
- Não tem um final feliz definido.
PERSONAGENS
Os personagens são tipos populares dos subúrbios do Rio de Janeiro. Vários
não possuem nomes, sendo personalizados pela função que exercem na comunidade.
Diferente dos personagens românticos, nessa obra eles não são idealizados,
estando mais próximos do Realismo.
1) Leonardo: protagonista da história; peralta, malandro, vadio, vingativo e
gostava de pregar peças. Era um anti-herói.
2) Leonardo Pataca: pai do protagonista. Era comerciante de roupas em
Portugal e, no Brasil, oficial de justiça. Mulherengo, espertalhão e
interesseiro.
3) Maria Hortaliça: mãe de Leonardo. Era verdureira em Portugal. Mulher
infiel, foge com o capitão de um navio.
4) Comadre: madrinha de Leonardo, parteira e benzedeira.
5) Compadre: padrinho de Leonardo. Barbeiro que ganhou dinheiro de forma
desonesta. Protege e mima o afilhado.
6) Luisinha: sobrinha de D. Maria, rica, casa-se com José Manuel e depois com
Leonardo.
7) D. Maria: tem mania de ações judiciais, é tutora da sobrinha Luisinha.
8) Vidinha: mulata, jovem de 18 ou 19 anos que toca e canta modinhas.
Leonardo apaixona-se por ela.
9) Major Vidigal: personagem histórico; autoridade policial, causa temor e
respeito.
10) Tomás: sacristão e amigo de Leonardo.
11) Chiquinha: sobrinha da comadre que se casa com Pataca.
12) Outros personagens: Vizinha, José Manuel, Maria Regalata, Teotônio,
Chico-Juca, Toma-Largura.
ENREDO
Cap. I
“Era no tempo do rei”. Assim começa a narrativa que se passa nas primeiras
décadas do século XIX, época do rei D. João VI.
Leonardo Pataca, aborrecido com seu comercio de roupas em Lisboa, resolve vir
para o Brasil tentar a sorte.
No mesmo navio viaja Maria Hortaliça.
Pataca, fingindo-se distraído, dá uma pisadela no pé de Maria, que se
fingindo envergonhada lhe dá um beliscão nas costas da mão esquerda.
Enamoram-se. Ao anoitecer, outra pisadela e um beliscão, desta vez com mais
calor.
No dia seguinte, pareciam velhos amantes.
Ao desembarcarem foram morar juntos e sete meses depois nasce Leonardo.
Leonardo foi batizado pela comadre parteira e pelo compadre barbeiro.
Cap. II, III e IV
Pataca volta mais cedo para casa e descobre que a mulher o traía.
Pataca dá uma surra em Maria. Leonardo rasga documentos de Pataca.
O pai, enfurecido, dá um pontapé no filho e esbraveja ser o pequeno “filho de
uma pisadela e um beliscão”.
Maria Hortaliça aproveita a confusão, abandona a família e volta para
Portugal.
O padrinho, homem velho e solitário, passa a cuidar do menino, mimando-o
demais. Sempre benevolente com as malandragens do afilhado.
Acreditando fazer do menino um homem de bem, decide que Leonardo será padre.
Pataca apaixona-se por uma cigana, que também infiel o abandona. Ele procura
um feiticeiro para reconquistá-la, mas durante a cerimônia, à meia noite,
aparece o temido Major Vidigal e o prende por vadiagem.
Cap. V, VI e VII
O Major Vidigal, temido por suas sentenças sem apelação, castiga os presentes
na casa do feiticeiro fazendo-os dançar até não aguentarem mais e
chicoteando-os.
Leonardo revela-se amigo da folia e da malandragem. Acompanha uma procissão e
acaba passando a noite num acampamento de ciganos.
Descrição da comadre: mulher baixa, gorda, ingênua às vezes, esperta outras.
Parteira, benzedeira, gosta de ir à missa e de ouvir fofocas das beatas.
Cap. VIII, IX e X
A comadre procura um tenente-coronel, velho oficial, para libertar Pataca.
O barbeiro, quando rapaz, abandonou a família sem remorsos ou escrúpulos. A
bordo de um navio, vindo para o Brasil, o capitão moribundo que nutria amizade e
confiança pelo barbeiro, confiou-lhe suas economias para que fossem entregues à
sua filha. Porém, o compadre ficou com todo o dinheiro e nunca procurou a filha
do capitão.
O tal tenente-coronel conhecia Maria Hortaliça, seu filho a havia
desvirginado em Lisboa e ele comprara o silencio da família. Ao saber que Pataca
havia sido marido da moça, ajudou-o a sair da prisão.
Cap. XI, XII e XIII
Leonardo aprende a ler com lentidão e demonstra não ter vocação para as
coisas da igreja.
Leonardo é castigado na escola, com a palmatória, por causa de suas
estripulias. Vive fugindo da escola, até abandoná-la.
O padrinho convence o afilhado a voltar para a escola, mas ele sempre foge.
Em uma dessas fugas faz amizade com um coroinha. Como caminho para suas
traquinagens, ele também quer ser coroinha. O barbeiro sente-se realizado.
Numa das missas, junto com o colega sacristão, joga fumaça de incenso na cara
da vizinha.
Cap. XIV, XV e XVI
A vizinha faz queixa para o padre que repreende os dois coroinhas. Leonardo
se vinga do padre dando uma informação errada sobre a hora do sermão. O padre,
que mantinha relações com a cigana que abandonara Pataca, chega atrasado e fica
furioso. O sacristão é despedido.
Pataca descobre que o padre roubara-lhe a cigana e que no dia do aniversário
dela estaria lá no acampamento. Contrata Chico-Juca para fazer confusão na
festa. Pataca avisa o Major Vidigal sobre a festa e ele aparece bem na hora da
confusão e prende todo mundo, inclusive o padre, que estava escondido no quarto.
Humilhado com a prisão, o padre abandona a cigana. Pataca reconquista a
antiga amante e passam a viver juntos. A comadre o censura por isso.
Cap. XVII e XVIII
No dia da procissão dos Ourives, o compadre, a comadre, o afilhado e a
vizinha se encontram na casa de D. Maria, que tinha mania de ações judiciais.
Conversam sobre as peraltices do menino, que pisa na saia da vizinha,
rasgando-a. D. Maria sugere que o menino seja procurador de causas.
Leonardo não atendeu aos desejos do padrinho e se transforma em um completo
vadio. Nada faz e nada pensa.
Pataca casa-se com Chiquinha, uma sobrinha da comadre.
D. Maria ganha a demanda de tutora de uma sobrinha, herdeira de algum
dinheiro, chamada Luisinha.
O compadre e o afilhado vão visitar D. Maria com frequência. Leonardo ri da
Luisinha desajeitada, mas não consegue esquecê-la.
Cap. XIX, XX, XXI, XXII e XXIII
Leonardo apaixona-se por Luisinha e tornam-se íntimos após a Festa do Divino.
Aparece José Manuel, um pretendente espertalhão interessado na herança de
Luisinha.
O compadre e a comadre unem-se para ajudar Leonardo contra seu rival. Eles
têm medo de que D. Maria, com toda razão, recuse a sobrinha a um rapaz vadio e
sem futuro.
Leonardo consegue declarar-se a Luisinha, depois de várias tentativas e muito
sem jeito.
Cap. XXIV, XXV, XXVI e XXVII
Nasce a filha de Pataca e Chiquinha. A comadre faz o parto da sobrinha.
A comadre gozava de grande reputação. Abusando de sua credibilidade, fala
para D. Maria que José Manuel havia se envolvido no caso da fuga de uma moça da
porta da igreja, colocando-o como suspeito de um caso policial.
José Manuel encarrega o padre de descobrir quem é seu adversário e quem fez a
intriga junto a D. Maria.
Cap. XXVIII e XXIX
Morre o barbeiro. Pataca aparece para tomar conta do filho e se apodera da
herança que o padrinho havia deixado para Leonardo. A comadre também vai morar
na casa de Pataca para ficar mais perto da sobrinha e dar amor ao Leonardo.
Chiquinha e Leonardo brigam muito. Pataca e a comadre passam a fazer papel de
conciliadores.
Leonardo chega nervoso por não ter visto Luisinha e briga com Chiquinha.
Pataca toma as dores da mulher e novamente expulsa o filho de casa.
Cap. XXX e XXXI
Leonardo sai de casa andando sem destino. Cansado, senta-se em uma pedra
pensando em Luisinha. Houve rumores e encontra o antigo colega sacristão fazendo
piquenique com um grupo de jovens. Conhece Vidinha, prima do amigo, mulata de 18
ou 20 anos e se apaixona por ela. Leonardo começa a viver na casa deles. Duas
viúvas, uma com três filhos e outra com três filhas.
Leonardo tem rivais na família onde vive. É uma família onde primos têm
interesse nas primas.
Cap. XXXII, XXXIII e XXXIV
A comadre procura Leonardo sem achá-lo. Ela vai à casa de D. Maria que a
repreende, após ter descoberto a intriga contra José Manuel.
Dois primos de Vidinha se unem contra Leonardo, mas ele tem Vidinha e as
velhas a seu favor. Após muitas brigas e confusões ele decide sair da casa, mas
as velhas não consentem. A comadre o encontra.
Leonardo, após muita conversa, resolve continuar com a família. Os primos
vencidos decidem vingar-se. Fazem uma algazarra, avisam o Major Vidigal, que
chega e prende Leonardo.
Cap. XXXV, XXXVI e XXXVII
José Manuel casa-se com Luisinha após ganhar uma causa para D. Maria.
Luisinha aceita o novo pretendente, com indiferença, já que Leonardo havia se
esquecido dela.
Leonardo escapa do Major, aproveitando um tumulto de rua, e volta para a casa
de Vidinha. O Major não o encontra.
O Major, humilhado perante seus subordinados, jura vingança. A comadre,
acreditando que o afilhado estivesse preso, procura Vidigal e suplica para que
ele solte Leonardo. O Major lhe conta da fuga. Ela fica aliviada e Vidigal é
novamente motivo de escárnio.
Cap. XXXVIII e XXXIX
A comadre procura Leonardo na casa de Vidinha e após pregar-lhe um sermão,
exige que ele abandone a vadiagem. Ela consegue um emprego para ele na dispensa
real.
No serviço, Leonardo conhece um casal, se interessa pela moça e vai
esquecendo Vidinha.
Toma-Largura, o marido da moça, descobre e corre atrás dele. Leonardo é
despedido do emprego.
Vidinha descobre tudo e, com ciúmes, vai tirar satisfações com a mulher de
Toma-Largura. Leonardo vai atrás dela, encontra Vidigal e acaba preso.
Cap. XL, XLI, XLII e XLIII
Vidinha ofende o casal, que não reage. Toma-Largura se encanta com vidinha e
resolve conquistá-la.
Toma-Largura ronda a cãs de vidinha e cai numa armadilha. Convidado para uma
festa, bebe e provoca confusão. O major chega e pede a um de seus subordinados
que prenda Toma-Largura.
Este subordinado é Leonardo, que se tornara auxiliar de Vidigal.
A vingança do major quando prendeu Leonardo foi transformá-lo em policial e
requisitá-lo para ajudar nas tarefas.
Leonardo recebe a missão de prender Teotônio, numa festa. Simpatiza-se com
ele e o ajuda a fugir.
Cap. XLIV, XLV, XLVI e XLVII
Um amigo o cumprimenta pela façanha na frente do Major, que prende Leonardo
imediatamente.
Depois da lua-de-mel, José Manuel começa a mostrar que não é grande coisa. A
comadre e D. Maria se unem para soltar Leonardo.
D. Maria procura Maria Regalada, antiga conhecida do Major, e pede para que
ela interceda a favor de Leonardo. Regalada procura o Major, cochicha algo em
seu ouvido. Este promete soltar Leonardo.
José Manuel morre de um ataque cardíaco. Leonardo é libertado e visita
Luisinha.
Cap. XLVIII
Terminado o luto, Leonardo e Luisinha recomeçam o namoro. Querem se casar,
mas precisam do consentimento do major porque granadeiro não pode se casar.
Procuram Vidigal que estava vivendo com Maria Regalada (este foi o preço da
liberdade de Leonardo). O Major consegue baixa de Leonardo da tropa de linha
para sargento de milícias.
Pataca devolve a herança que o padrinho deixou para o filho.
Leonardo e Luisinha se casam.
A narrativa termina sem dar por acabada a história: “Daqui em diante aparece
o reverso da medalha... acontecimentos tristes que pouparemos aos leitores,
fazendo aqui ponto final”.
COMENTÁRIO FINAL
Diferente do que faz supor o título “Memórias”, o romance é narrado em
terceira pessoa, por um narrador onisciente e intruso, que a todo o momento
interfere para analisar fatos, dar explicações e conversar com o leitor.
A palavra “memórias”, nesse caso, equivale a anotações históricas, pois
descreve cenas e costumes de época passada.
Memórias de um Sargento de Milícias foi publicado em folhetim, sob o
pseudônimo de “O brasileiro”, entre os anos de 1854 e 1855, no suplemento “A
Pacotilha” do Jornal Correio Mercantil, importante órgão de imprensa da época.
Bibliografia: Almeida, Manuel Antonio de – Memórias de um Sargento de
Milícias – Editora Objetivo – São Paulo – 1996.
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